App de IA para ‘reviver’ falecidos causa polêmica

Um aplicativo que utiliza inteligência artificial (IA) para recriar digitalmente pessoas falecidas está gerando grande polêmica nas redes sociais. A ferramenta, criada pela startup americana 2Wai, permite aos usuários gerar avatares interativos que imitam a voz, a aparência e até mesmo as “memórias” de entes queridos que já morreram.
O que é o app 2Wai?
O aplicativo, disponível para iPhone, possibilita a criação dos chamados HoloAvatars, que, segundo a empresa, “se parecem e falam como você, e até compartilham as mesmas memórias”. Uma versão para Android está prevista para ser lançada em breve.
A proposta da 2Wai viralizou após um vídeo demonstrativo divulgado por Calum Worthy, cofundador da empresa e ex-estrela da Disney. No vídeo, uma mulher grávida conversa com uma versão digital de sua mãe falecida. A narrativa avança, mostrando a “avó virtual” lendo histórias para o bebê, interagindo com a família e acompanhando o crescimento do neto até a vida adulta. O vídeo termina com o personagem adulto anunciando que a avó digital se tornará bisavó. A mensagem final do vídeo é: “Com a 2Wai, três minutos podem durar para sempre”.
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Repercussão e críticas
Apesar da proposta de Worthy de que a plataforma seja um “arquivo vivo da humanidade”, a repercussão foi majoritariamente negativa. Usuários das redes sociais expressaram preocupações sobre os riscos emocionais e o potencial prejuízo ao processo de luto. Muitos criticaram a ideia de substituir o luto real por interações artificiais.
Alguns internautas compararam a ferramenta com o episódio “Be Right Back” da série “Black Mirror”, no qual uma mulher tenta conviver com uma versão artificial de seu parceiro falecido. A falta de transparência sobre como o aplicativo replica a personalidade e as memórias com apenas três minutos de vídeo também gerou desconforto.
Outras críticas incluem a preocupação com o uso comercial do luto e a possibilidade de uso indevido das imagens. A ideia de um parente falecido oferecendo cupons de supermercado, por exemplo, foi considerada perturbadora.
Alternativas e o luto na era da IA
A 2Wai não é a primeira iniciativa a explorar a recriação de pessoas falecidas com o uso de IA. Outras plataformas, como HereAfter AI e StoryFile, já oferecem serviços semelhantes, utilizando entrevistas e vídeos para criar avatares interativos. O aplicativo Replika permite até mesmo enviar mensagens de texto ou ligar para avatares de IA personalizados.
O uso da IA para lidar com o luto levanta questões importantes sobre os limites éticos da tecnologia e seu impacto no processo de superação da perda. Especialistas apontam que, embora a tecnologia possa trazer conforto e preservar memórias, é crucial manter uma perspectiva realista e evitar a substituição do luto genuíno por interações artificiais.
A professora Mary Francis Oconor, da Universidade do Arizona, que estuda o luto, disse que há vantagens e desvantagens em usar a tecnologia desta forma. Ela comentou que, quando nos relacionamos com um ente querido, o cérebro codifica essa pessoa como: “Eu sempre estarei lá para você e você sempre estará lá para mim”. Quando eles morrem, nosso cérebro tem que entender que essa pessoa não vai voltar, e se fica difícil para o cérebro entender isso, pode levar muito tempo para realmente entender que eles se foram.
Outras iniciativas
Além dos aplicativos mencionados, outras iniciativas buscam maneiras de preservar a memória de entes queridos falecidos. A empresa Eternime, por exemplo, coleta dados de smartphones e redes sociais para criar um avatar digital pós-morte. Já o projeto ETER9 visa criar “segundos eus” digitais, utilizando IA para replicar a personalidade dos usuários.
Kanye West também já utilizou a tecnologia para presentear Kim Kardashian com um holograma do pai dela, Rob Kardashian. A IA também já foi usada para reproduzir vozes de celebridades como Edith Piaf e James Dean.
Apesar das diferentes abordagens, todas essas iniciativas compartilham o objetivo de mitigar a dor da perda e manter viva a memória de quem se foi. No entanto, a crescente popularidade dessas tecnologias também exige uma reflexão cuidadosa sobre suas implicações éticas e emocionais.
