IA no Brasil: Lei de Direitos Autorais Restringe Avanços

A corrida da Inteligência Artificial (IA) no Brasil enfrenta obstáculos significativos devido às restrições impostas pela Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98). Essa legislação, criada em 1998, não acompanhou a rápida evolução tecnológica e impõe limitações ao uso de técnicas como a Text and Data Mining (TDM), essencial para o treinamento de IAs.
O que é Text and Data Mining (TDM)?
A TDM, ou mineração de dados e textos, é um processo automatizado que permite coletar, organizar e analisar grandes volumes de informação. Essa técnica é crucial para o treinamento de IAs, pois possibilita que elas aprendam e identifiquem padrões em vastas quantidades de dados. No entanto, a Lei de Direitos Autorais brasileira impõe restrições ao uso de TDM, colocando o Brasil em desvantagem na corrida global da IA.
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Restrições e Desafios da Lei de Direitos Autorais
Um levantamento do Reglab identificou que o Brasil está entre os países com mais restrições ao uso de TDM para treinamento de IAs. A legislação brasileira define que apenas pessoas físicas podem ser consideradas autoras, o que gera dúvidas sobre a autoria de obras criadas por IA. Além disso, a lei não aborda adequadamente as complexidades da criação por IA, levantando questões sobre a proteção de obras geradas por máquinas.
A Lei nº 9.610/98, conhecida como Lei de Direitos Autorais, estabelece que o autor deve ser uma pessoa física, o que, em princípio, impede que obras geradas exclusivamente por IA recebam proteção autoral. Essa restrição pode desincentivar o desenvolvimento de IAs no Brasil, já que empresas e desenvolvedores podem enfrentar dificuldades para proteger suas criações.
Impacto no Desenvolvimento da IA no Brasil
A falta de uma legislação específica para IA no Brasil é um desafio. O Projeto de Lei 2.338/2023, em tramitação no Senado, propõe um marco regulatório para a IA no país, com diretrizes sobre transparência, responsabilidade e direitos autorais. No entanto, ainda há incertezas sobre como essa legislação abordará a questão do uso de obras protegidas para treinamento de IA e a autoria dos conteúdos gerados.
A restrição ao uso de TDM pode deixar o Brasil para trás na corrida global da IA. Países como Japão e Alemanha autorizam expressamente o uso de TDM e permitem a comercialização dos resultados. A União Europeia também possui uma diretiva que introduz exceções específicas para TDM, tanto para fins de pesquisa científica quanto para fins gerais, inclusive comerciais.
O Debate sobre o Uso Justo (Fair Use)
Nos Estados Unidos, a legislação possui o conceito de fair use (uso justo), que permite o uso de obras protegidas sem autorização em determinadas circunstâncias, inclusive para mineração de dados. No entanto, mesmo com o fair use, empresas como a OpenAI enfrentam batalhas judiciais sobre direitos autorais.
No Brasil, o secretário de Direitos Autorais e Intelectuais do Ministério da Cultura, Marcos Alves de Souza, defende que os operadores de IA generativa mantenham registro do material usado no treinamento dos modelos e remunerem os autores de forma inalienável e irrenunciável. Ele afirmou que o PL 2338/23 respeita a Constituição ao prever remuneração compensatória, mesmo sem exigir autorização prévia, como estabelece a Lei de Direitos Autorais.
A Necessidade de um Marco Regulatório Equilibrado
Especialistas defendem a criação de um marco regulatório que equilibre o avanço tecnológico e a proteção dos direitos autorais. É essencial que os legisladores criem normas claras para o uso da IA, garantindo segurança jurídica tanto para os criadores de conteúdo quanto para os desenvolvedores de tecnologias baseadas em IA.
A regulamentação da IA deve ser flexível o suficiente para permitir o desenvolvimento de novas aplicações tecnológicas, mas sem comprometer a remuneração justa dos criadores. Um modelo de licenciamento inteligente, que permita que criadores licenciem suas obras para treinamento de IA em troca de remuneração justa e reconhecimento, pode ser uma solução.
Desafios Éticos e Legais
A integração da IA em diversos setores levanta questões complexas sobre direitos autorais. Sistemas de IA capazes de gerar músicas, textos e imagens a partir de vastos conjuntos de dados suscitam dúvidas sobre a proteção dos criadores originais. A quem pertence a autoria quando uma IA gera um conteúdo original? O desenvolvedor do algoritmo, o usuário que forneceu os prompts ou a própria IA?.
O uso de conteúdos protegidos para treinamento de IA também é um ponto crítico. Muitas IAs são treinadas utilizando bases de dados que incluem obras protegidas por direitos autorais sem a devida permissão. Isso levanta preocupações sobre possíveis infrações à legislação de copyright e a necessidade de compensação financeira para os criadores das obras originais.
O Cenário Internacional e o Caso Thomson Reuters
No cenário internacional, o caso Thomson Reuters vs. Ross Intelligence estabeleceu um precedente importante. A Thomson Reuters venceu uma disputa judicial contra a Ross Intelligence, que utilizou conteúdo protegido para treinar seu modelo de IA. A sentença afirmou que o uso de material protegido por copyright para treinar uma IA pode constituir infração.
Nos Estados Unidos, a OpenAI tem recorrido ao argumento do fair use para não pagar pelos conteúdos usados em treinamento de IA. No entanto, Sam Altman, CEO da OpenAI, já recorreu até ao argumento de segurança nacional dos EUA para ignorar a existência de direitos autorais no treinamento de grandes modelos de linguagem.
O Futuro da IA no Brasil
O Brasil precisa encontrar um caminho que permita o desenvolvimento da IA sem infringir os direitos autorais. A aprovação do PL 2.338/2023 pelo Senado é um passo importante, mas ainda há muito a ser feito. É necessário um debate profundo sobre os direitos morais, a definição clara de autoria e as implicações éticas de reconhecer a IA como participante do processo criativo.
A criação de um novo marco legal requer um esforço significativo de colaboração entre legisladores, juristas e especialistas em tecnologia. O objetivo é garantir que o Brasil possa aproveitar os benefícios da IA sem comprometer a proteção dos direitos autorais e a remuneração justa dos criadores.
