IA e o Consumo Oculto de Água: Um Comando, Vários Litros

O uso crescente da inteligência artificial (IA) tem um impacto invisível e preocupante: o consumo de água. A cada interação com IAs como o ChatGPT, litros de água são utilizados, principalmente para resfriar os servidores dos data centers que sustentam essas tecnologias. Em um cenário de crise hídrica global, especialistas alertam para os riscos ambientais dessa realidade.
O Impacto Hídrico da Inteligência Artificial
Especialistas em gestão hídrica destacam que o resfriamento dos data centers é o principal fator do consumo de água pela IA. Embora existam sistemas de resfriamento alternativos, como ar ou fluidos industriais, muitos data centers ainda dependem da água para manter a temperatura ideal dos equipamentos.
Um estudo da Universidade da Califórnia, Riverside, revelou que o treinamento de um único modelo de IA de grande porte, como o GPT-3, pode consumir até 5,4 milhões de litros de água. Esse volume seria suficiente para abastecer cerca de 70 pessoas durante um ano inteiro, considerando tanto o consumo direto (resfriamento dos servidores) quanto o indireto (água usada na geração de energia elétrica).
Sibylle Muller, CEO da NeoAcqua, empresa especializada em soluções para tratamento de água e esgoto, enfatiza a necessidade de incluir a sustentabilidade hídrica nas discussões sobre IA. “Estamos diante de uma revolução tecnológica que demanda atenção também no campo ambiental, inclusive no uso da água. A discussão sobre IA também deve envolver a sustentabilidade hídrica”, afirma.
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A Pegada Hídrica Invisível
Assim como se debate a pegada de carbono das tecnologias, é crucial falar da pegada hídrica. A água usada para manter data centers ativos não pode ser ignorada, especialmente em regiões que já enfrentam escassez, ressalta Sibylle Muller. Sistemas de refrigeração a ar, embora comuns, também exigem alto gasto energético, o que indiretamente aumenta o consumo de água na geração de eletricidade.
O ChatGPT, por exemplo, pode consumir até meio litro de água a cada 20 a 50 perguntas. Para gerar uma imagem, a plataforma pode gastar a mesma quantidade de água que seria usada para 20 comandos de texto. Com milhões de usuários interagindo diariamente com essas IAs, o consumo total de água se torna significativo.
O Crescimento Exponencial e a Necessidade de Soluções Sustentáveis
A Agência Internacional de Energia (IEA) prevê que o consumo de eletricidade pelos data centers dedicados à IA quadruplicará até 2030, atingindo níveis próximos ao consumo energético atual do Japão. Esse aumento exponencial agrava ainda mais a pressão sobre os recursos hídricos.
Para mitigar esse impacto, empresas de tecnologia estão buscando alternativas como o uso de água reciclada para resfriamento, a migração para fontes de energia renovável e a implementação de tecnologias de resfriamento a seco. A escolha de locais para data centers também deve considerar a vulnerabilidade dos recursos hídricos locais.
Iniciativas e Soluções
Algumas empresas já estão adotando medidas para reduzir o impacto ambiental de suas operações. O Google, por exemplo, informou que 82% do uso de água doce da empresa provém de regiões com baixo estresse hídrico e está implementando uma abordagem de resfriamento consciente em relação ao clima nos data centers.
A startup EVOLV utiliza sensores e IA para monitorar o consumo de água em tempo real, permitindo que empresas identifiquem e corrijam vazamentos e consumos anômalos. Essa tecnologia oferece aos gestores acesso aos níveis de consumo, promovendo economia de água e maior sustentabilidade.
O Papel do Brasil
O Brasil, com sua matriz energética renovável, pode se tornar um protagonista na alimentação de data centers de forma sustentável. No entanto, é crucial que o país adote estratégias de treinamento e aprendizado no campo do software e dos algoritmos para otimizar o uso de energia e água.
A Dualidade da Inteligência Artificial
A IA oferece muitos benefícios para a proteção do meio ambiente, como a otimização do uso de recursos na agricultura e na gestão florestal, o aumento da eficiência energética e a redução de desperdícios. No entanto, seu funcionamento atual depende de um consumo considerável de recursos naturais como minerais, energia elétrica e água, além de gerar resíduos eletrônicos.
É fundamental garantir que os benefícios da IA superem seus malefícios ao meio ambiente. A transparência sobre o consumo de recursos e a adoção de práticas sustentáveis são passos essenciais para um futuro em que a tecnologia e a natureza possam coexistir em harmonia.
A especialista Sibylle Muller conclui: “Assim como debatemos a pegada de carbono das tecnologias, é fundamental falar da pegada hídrica. A água usada para manter data centers ativos não pode ser ignorada, especialmente em regiões que já enfrentam escassez”.