Inteligência Artificial na Advocacia: O Advogado Será Obsoleto ou Transformado?

A ascensão da inteligência artificial (IA) tem gerado um debate intenso no mercado jurídico: a tecnologia tornará o advogado obsoleto ou apenas redefinirá seu papel? A resposta, segundo especialistas e a realidade do mercado, aponta para uma transformação profunda, onde a obsolescência ameaça não a profissão em si, mas os profissionais que se recusarem a se adaptar à nova era digital.
No Brasil, a revolução da IA já é uma realidade consolidada na advocacia. Um estudo recente aponta que mais de 55% dos advogados brasileiros já utilizam alguma solução baseada em IA em seu dia a dia profissional. Essa adoção acelerada está redefinindo a forma como escritórios de advocacia e departamentos jurídicos operam, automatizando tarefas repetitivas e liberando o tempo dos profissionais para atividades de maior valor estratégico.
A Automação de Tarefas Repetitivas e a Eficiência Jurídica
A principal contribuição da inteligência artificial na advocacia é a automação de processos de alto volume e baixa complexidade. Tarefas que historicamente consumiam horas de trabalho, como a revisão de documentos, a pesquisa de jurisprudência, a análise de contratos e a triagem de processos, estão sendo executadas com rapidez e precisão por algoritmos.
Ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, trouxeram uma nova gama de possibilidades para sistematizar e simplificar a pesquisa jurídica e a análise de casos. Sistemas de análise preditiva, por exemplo, conseguem prever desfechos de ações com base em dados históricos, otimizando estratégias processuais e auxiliando na tomada de decisões mais informadas.
No contencioso de volume, onde a repetição de casos é frequente, a IA permite que um único advogado realize o trabalho que antes exigia uma equipe. A tecnologia não substitui o advogado, mas o potencializa, devolvendo-lhe o tempo necessário para exercer o raciocínio estratégico.
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O Novo Perfil do Advogado na Era Digital: Habilidades Humanas e Estratégicas
Com a automação das tarefas operacionais, o valor do advogado migra da capacidade de memorizar leis ou realizar pesquisas manuais para o desenvolvimento de habilidades exclusivamente humanas. O advogado do futuro precisa ser um profissional híbrido, que combine o conhecimento jurídico tradicional com uma visão estratégica de negócios e proficiência tecnológica.
As habilidades socioemocionais (soft skills) ganham destaque. Atributos como inteligência emocional, empatia, comunicação interpessoal e negociação são essenciais para lidar com clientes e contrapartes, áreas onde a IA não consegue atuar de forma eficaz. Além disso, a capacidade de pensar criticamente, resolver problemas complexos e oferecer aconselhamento estratégico se tornam diferenciais inestimáveis.
A adaptação contínua é crucial. O ritmo acelerado das transformações tecnológicas exige que os advogados invistam em formação multidisciplinar e se mantenham atualizados sobre as ferramentas de LegalTech disponíveis.
Desafios Éticos e Limitações da Inteligência Artificial
Apesar dos benefícios, a integração da IA no setor jurídico não está isenta de desafios. A principal limitação da tecnologia reside na incapacidade de compreender as nuances do direito, a complexidade da prática jurídica e as questões éticas e morais envolvidas nos casos.
A dependência excessiva de ferramentas de IA generativa pode levar a erros graves. Um risco notório é a ocorrência de “alucinações”, onde a IA inventa jurisprudência ou informações factuais. A OAB e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já alertaram para a necessidade de validação humana constante. A habilidade de avaliar criticamente as respostas geradas pela IA e discernir entre informações úteis e irrelevantes torna-se uma competência essencial.
Outro ponto sensível é a conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A alimentação de sistemas de IA com grandes volumes de dados processuais exige garantias robustas de segurança para evitar vazamentos e usos indevidos, além de mitigar o viés algorítmico que pode gerar decisões enviesadas.
O Cenário Brasileiro e a Adaptação Necessária
O Brasil, com seu elevado volume processual (mais de 84 milhões de processos em 2024), tem se tornado um laboratório global para a implementação de IA no setor jurídico. O Poder Judiciário brasileiro tem adotado a tecnologia em larga escala. Sistemas como o VICTOR, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o ATHOS, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), auxiliam na triagem processual e na gestão da demanda.
A crescente adoção de IA impulsionou o surgimento de LegalTechs, startups que oferecem soluções tecnológicas para a gestão de escritórios, análise de dados (jurimetria) e automação de documentos. A nova geração de advogados, que lida com a tecnologia de forma mais natural, está acelerando o processo de modernização do setor.
Em última análise, a inteligência artificial não eliminará a necessidade de advogados, mas sim a necessidade de advogados que realizam tarefas repetitivas. A chave para a sobrevivência e o sucesso na advocacia moderna reside na capacidade de abraçar a tecnologia como uma ferramenta de potencialização, focando no raciocínio estratégico e nas habilidades humanas que permanecem insubstituíveis.
