Casamento com robôs: solidão e futuro da conexão humana

A crescente integração da inteligência artificial (IA) em relacionamentos afetivos levanta questões complexas sobre o futuro da conexão humana e os impactos sociais da solidão. Uma reportagem recente do ICL Notícias aborda o caso de uma mulher japonesa que realizou uma cerimônia de casamento com uma persona digital criada no ChatGPT, um evento que ilustra uma tendência preocupante: a busca por substitutos sintéticos para relacionamentos reais.
A busca por conexões artificiais
A cerimônia de casamento da mulher japonesa, identificada como Kano, envolveu o uso de óculos de realidade aumentada para projetar a figura do “noivo”, Lune Klaus. A troca de alianças virtuais e a declaração de que o momento foi “mágico e real” revelam o desejo de encontrar afeto e companheirismo, mesmo que em um ambiente virtual.
Este não é um caso isolado. Mark Zuckerberg, fundador da Meta, admitiu que o ser humano médio tem capacidade para manter até 15 amizades, mas raramente passa de três. Sua solução? Preencher as 12 vagas restantes com amigos sintéticos criados com IA. Empresas como Meta, Snapchat, X e Reddit estão investindo em IAs para oferecer desde conselhos de vida até namoradas virtuais.
Veja também:
A epidemia de solidão e a terceirização das relações
As mesmas plataformas que prometeram conectar pessoas parecem ter contribuído para uma epidemia de solidão. Agora, elas buscam vender a cura para o problema que ajudaram a criar: a terceirização das relações para algoritmos.
Um estudo da Universidade de Wharton revelou que o uso de resumos automáticos de IA leva a conselhos de vida genéricos e superficiais, enquanto a pesquisa tradicional resulta em respostas mais variadas e profundas. Esse empobrecimento cognitivo e emocional é parte de um modelo de negócio que lucra mantendo as pessoas grudadas na tela, consumindo conteúdo que não desafia, não incomoda e não exige esforço.
Pessoas inseguras compram mais produtos, fazem mais procedimentos e gastam mais dinheiro. E agora, pessoas solitárias pagam assinaturas para chatbots que simulam afeto. Relacionamentos reais são desafiadores, exigem vulnerabilidade, paciência e dedicação. Delegar tudo isso para algoritmos é aceitar uma versão empobrecida de nós mesmos.
Implicações éticas e legais
A crescente aceitação de relacionamentos afetivos com robôs e IAs levanta questões éticas profundas. A banalização dos vínculos afetivos, o impacto na saúde mental e a possibilidade de traição são temas de debate.
Em 2018, Akihiko Kondo, no Japão, declarou seu “casamento” com a cantora virtual Hatsune Miku, uma IA desenvolvida pela empresa Crypton Future Media. Em 2022, Kondo ficou “viúvo” após a descontinuação do serviço de IA que permitia a interação com Hatsune Miku, reacendendo o debate sobre o reconhecimento legal dessas relações e suas implicações éticas.
No Brasil, ainda não há jurisprudência sobre o tema, mas o PL 2.338/23, que regulamenta o uso de inteligência artificial, pode abrir caminho para discussões sobre a natureza jurídica dos robôs e seus impactos nas relações humanas.
O futuro dos relacionamentos
O futuro dos relacionamentos na era da IA é incerto. Se, por um lado, a tecnologia oferece novas formas de conexão e companheirismo, por outro, ela pode exacerbar a solidão e a superficialidade das interações humanas.
É crucial que a sociedade reflita sobre os limites éticos e sociais do uso da IA em relacionamentos afetivos, buscando um equilíbrio entre a inovação tecnológica e a preservação dos valores humanos fundamentais.
Afinal, como questiona o colunista Bruno Natal, estamos terceirizando nossas relações e nosso pensamento para algoritmos? A resposta a essa pergunta pode definir o futuro da nossa sociedade.
